Já escutei inúmeras histórias sobre design systems que não saíram do papel ou que, mesmo implementados, nunca alcançaram boas taxas de adoção nas empresas. Grande parte dos design systems falham, não por problemas técnicos, mas por incompreensão do seu valor real. O problema central não está nos componentes, na documentação ou na qualidade do código — está na cultura organizacional que deveria sustentá-los. E, a verdade, é que este destino já é selado logo nas fases iniciais de planejamento.
Design Systems são sobre pessoas (mais uma vez!)
Um design system não é apenas um conjunto de componentes, guias de estilo, processos e padrões de código. É uma mudança, muita das vezes gigantesca, na forma como equipes colaboram, tomam decisões e constroem produtos. É um novo idioma que permeia departamentos diversos, desde design e desenvolvimento até produto e marketing.
Quando tratamos design systems só como artefatos técnicos, perdemos o ponto principal: eles existem para facilitar a comunicação entre pessoas e alinhar visões diferentes. Cada componente conta uma história sobre as decisões que tomamos e os valores que defendemos.
Portanto, meus queridos, o design system impacta diretamente a cultura porque ele mexe com a forma como as pessoas trabalham. Ele pede consistência onde antes havia liberdade caótica, colaboração onde havia silos, e confiança onde reinava o improviso.
Cultura não se muda por decreto.
Tentar “empurrar” um design system goela abaixo de uma equipe é como tentar encaixar uma peça de quebra-cabeça no lugar errado — força bruta não resolve, só frustra. A aceitação vem quando os envolvidos já estão preparados, quando já veem valor no sistema antes mesmo de ele existir.
Então, para os meus colegas designers, que geralmente tomam à frente deste projeto, peço que relembrem das regras básicas do design de experiência: envolver o usuário em todas as fases de pesquisa, definição, planejamento e implementação.
“A evangelização começa muito antes do design system surgir”
Toda vez que eu digo essa frase para alguém, vejo uma luz se acender no topo da cabeça, como se, de repente, a ficha caísse: pelo fato de ser um produto interno, seus responsáveis ficam completamente cegos sobre a importância de entender e preparar seus usuários. Processos baseados em duplo ou triplo diamante…? Digamos que é tudo resumido em um diamante de 2 quilates.
O sucesso de um design system não depende somente de uma execução excelente, mas também de um terreno fértil, uma base cultural que só vem com o que chamo de “evangelização silenciosa”.
Esse processo não é sobre gritar os benefícios do sistema do alto de um palco ou empilhar slides em uma apresentação corporativa. É sobre construir entendimento, alinhar expectativas e criar um senso de propósito coletivo muito antes de o design system ganhar forma. Sem isso, ele não passa de uma promessa bonita que ninguém sabe como cumprir.
É impossível “empurrar” Cultura
Tentar impor um design system sem preparação cultural prévia é como plantar sementes em solo árido, por que:
1. A cultura é orgânica, não mecânica. Suas mudanças acontecem através de:
- Narrativas compartilhadas
- Experiências coletivas
- Valores demonstrados repetidamente
- Benefícios tangíveis, compreensíveis e relevantes
Nenhum desses pode ser simplesmente imposto ou acelerado por decreto.
2. Segundo a Lei da Difusão de Inovação de Everett Rogers, a adoção de inovações segue uma curva natural:
Tentar forçar todos a adotarem simultaneamente, ignora essa realidade sociológica e cria resistência.
3. Existe um paradoxo de propriedade psicológica
As pessoas apoiam o que ajudam a criar. Um design system que não engloba as vozes das equipes que o utilizarão será sempre visto como “o sistema deles” e não “nosso sistema”.
Estratégias de evangelização pré-Design System
Antes mesmo de falar em definições realize algumas atividades para introduzir os usuários do design system em seu contexto de implementação.
1. Documente e compartilhe a dor atual
Converse com os usuários para mapear:
- Exemplos concretos de inconsistências nos produtos
- O tempo perdido em retrabalho
- Os impactos sofridos por processos sem padrão
- O impacto da falta de padronização na experiência do usuário
- O custo financeiro da ineficiência atual
2. Workshops de conscientização
Realize sessões interativas onde as equipes:
- Analisem a atual fragmentação da experiência do usuário
- Tentem localizar componentes similares que existem em versões diferentes
- Discutam como outras empresas resolveram problemas semelhantes
- Imaginem como seria seu trabalho com um sistema unificado
3. Pequenas vitórias incrementais
Antes de propor um design system completo:
- Padronize elementos simples e não controversos
- Demonstre o valor através de casos de uso específicos
- Celebre e documente as melhorias de eficiência
- Use essas vitórias como narrativas para justificar esforços maiores
4. Construa uma comunidade, não apenas ferramentas
Crie espaços (físicos ou virtuais) onde:
- Designers e desenvolvedores possam compartilhar desafios
- A linguagem comum do futuro design system comece a ser formada
- Ideias e soluções possam emergir organicamente
- As pessoas sintam-se parte de algo maior que suas responsabilidades diárias
Por fim, meça o sucesso da evangelização
Medir a eficiência da evangelização também é importantíssimo, assim, você consegue tomar decisões mais assertivas sobre rotas a serem tomadas. Você vai identificar sinais positivos para o seu esforço, quando começar a observar algumas dessas manifestações:
- Equipes começam a usar terminologia consistente para elementos de interface
- Surgem pedidos espontâneos por padrões em áreas não abordadas
- Pessoas de diferentes departamentos participam voluntariamente em discussões sobre o design system
- A resistência muda de “por que precisamos disso?” para “quando teremos isso?”
Lembre-se: a evangelização é um processo contínuo. Por isso, é essencial identificar e promover aliados e embaixadores que impulsionem a adoção de maneira natural, já que, a mudança genuína, acontece de forma horizontal, não imposta de cima para baixo.